terça-feira, 1 de novembro de 2011

Doce Despedida

Fechei a porta do prédio e caminhei apressadamente pela rua. Estava atrasada e ainda tinha de ir meter gasolina. Entrei no carro, meti-o a trabalhar, e quando me preparava para arrancar, um outro carro parou em frente ao meu, bloqueando-me a saída. Fiz sinais de luzes e meti a cabeça fora da janela, já a preparar-me para reclamar, quando vi uns quantos vultos saírem do dito carro em direcção ao meu. Assustada, fechei a janela e pousei a mão em cima da buzina, por precaução. E foi nesse momento que um desses vultos bateu no vidro e disse-me educadamente “calma, não tenhas medo, estamos aqui apenas para nos despedirmos de ti”. Fiquei intrigada e abri um pouco o vidro para saber do que se tratava. “Despedirem-se de mim? Mas quem são vocês?” 

Foi então que o primeiro vulto, pedindo-me que abrisse um pouco mais a janela, começou a explicar:

“Eu sou a independência, não me reconheces? Eu trouxe-te uma casa nova, um espaço só teu, um cantinho onde és dona de ti e do teu tempo, onde só entra quem tu queres, onde te escondes quando queres estar sozinha e onde te encontras quando te sentes perdida."

O segundo aproximou-se com um ar sério:

“Eu sou a prudência, e mostrei-te o que de pior existe no ser humano. Mostrei-te até onde as pessoas vão por ambição e ganância. Mostrei-te o quanto podem ser injustas e cruéis. Fiz-te tropeçar em minas e armadilhas, mas ensinei-te a sobreviver a todas elas. E no final, depois de saradas as feridas, aprendeste a ser uma pessoa muito mais prudente e cautelosa.”

O terceiro meteu-se à frente e continuou:

“Eu sou a amizade, e sei que nem sempre fui leal contigo. Coloquei pessoas erradas no teu caminho, mas ensinei-te a reconhece-las uma a uma, e dei-te a coragem para lhes virares as costas no momento certo. Por outro lado, compensei-te com algumas boas surpresas, e hoje sabes com quem podes contar.”

O quarto olhou-me nos olhos e disse baixinho:

“Eu sou a família, aquela sem a qual não serias ninguém, sou o teu porto de abrigo, a tua referência, e fiz-te perceber isso mais do que nunca.”

O quinto piscou-me o olho e sorriu:

“Eu sou a paixão, e dei-te as histórias mais ardentes que já viveste em toda a tua vida. Apresentei-te pessoas especiais e deixei-te desfrutar do melhor de cada uma delas. Dei-te momentos loucos que nunca vais esquecer. O resto, fica só entre nós.”

O sexto surgiu com um ar grave e penoso:

“Eu sou o trabalho, e tenho sido a tua cruz, a razão de todas as tuas dores de cabeça, a causa de todas as tuas irritações. Sei que sou eu que te tiro o sono e te faço ir abaixo, de vez e quando. Espero que consigas ultrapassar-me rapidamente.“ 

O sétimo chegou calmamente:

“Eu sou a ponderação, e ensinei-te a teres calma, a seres mais racional, a estabeleceres regras para a tua vida. Ensinei-te a não cederes a impulsos inconsequentes e a fazeres valer os teus princípios, mesmo que enfrentando, muitas vezes, a incompreensão dos outros. Ensinei-te a respeitar radares e a fazer uso do travão nos teus dias.”

O oitavo suspirou alegremente:

“Eu sou o reencontro, e dei-te a oportunidade de voltares a estar com pessoas que já não vias há muitos anos. Fiz-te recuar no tempo e recordar momentos especiais, amizades, velhas paixões até. Fiz-te reencontrar um pouco de ti mesma em cada uma dessas pessoas e mostrei-te o tamanho que cada uma delas tem na tua história”. 

O nono veio sentar-se ao meu lado e, com um olhar confiante, disse:

“Sabes, eu sou a mudança, e andei sempre atrás de ti sem que desses por isso. Esperei que os outros vultos cumprissem as suas funções para que pudesses, finalmente, descobrir-me por ti mesma. E sei que o fizeste. Por isso, agora despedimo-nos de ti e passamos o testemunho a novos vultos que irão, com certeza, continuar a trazer-te muitas surpresas pela vida fora.” 

Nisto, o décimo vulto interrompe, efusivamente:

“Hey pessoal, falto eu! Deixem-se lá de conversas da treta! Eu sou a melhor parte disto tudo! Eu sou a diversão, a farra, as noites bem passadas até nascer o dia, as gargalhadas, os momentos loucos sem juízo, e foi graças a mim que tiveste os melhores anos da tua vida!” 

E dito isto, os 10 vultos entraram no carro, acenaram e foram embora. E eu sorri. Reconheci cada um deles. Eram os meus intas que partiam.

31 comentários:

  1. Muitos parabéns Ana :)
    Que belo texto e balanço da tua vida.

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  2. Oh, então não podem ter vindo num carro. de certeza que foi uma carrinha que parou à frente da tua viatura :P
    E agora por aqui, mais uma vez, parabéns! :D

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  3. Maravilhoso, adorei!!!!! Mais uma vez parabéns e tudo de bom com a vinda dos "entas"!!! Bjs

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  4. Parabéns!! gostei imenso do texto. :)

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  5. Feliz Ano Novo! Aliás, feliz década nova!

    Beijinhos.

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  6. amei o texto, e mais uma vez ...
    muuUitos parabÉns :) :)
    you rock **

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  7. Adorei o texto, muito bem escrito e pensado!! =D

    (mas 10 manos num carro é perigoso, é que nem numa carrinha de caixa aberta e às camadas! =P).

    Parabens!!
    Boa sorte para o daqui para a frente...agora é que começa =D!!
    Beijo*

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  8. Daqui a 10 anos volto aqui para ver o que tens a dizer!

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  9. Muito bom :)
    Muitos parabéns pela idade e ... pelo texto fantástico :)

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  10. Estava a ver que o décimo não aparecia!!
    Já me estava a roer todo com pena de ti!!

    Beijinhos.

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  11. Muitos parabéns... pelos entas que chegam, pelos intas que partiram e por este fantástico texto...

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  12. Muito bom, Ana! E já agora: parabéns!

    Certamente que os teus "entas" te vão trazer muitas mais coisas que possas viver e recordar com alegria mais tarde. É mesmo assim a vida...

    Beijinhos!

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  13. muito giro, escreves mesmo bem!! lê-se de uma assentada!

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  14. Muitos parabéns Ana e dizem que o auge começa por aí:) que este novo ano seja ainda melhor.
    Adorei o texto.
    beijinhos

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  15. Parabéns!!!

    Espero que aprecies esta década com tudo o que tens direito.

    beijinhos**

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  16. Chegaste aos "entas"?? Pois então que esta nova década seja maravilhosa! Dizem que em cada viragem há novas descobertas, e têm todas um gostinho especial...eu entrei nos 30 e já estou a adorar, sinto-me diferente! Tenho muitos amigos da tua idade e são todos malucos e bem dispostos, eu espero que tu sejas muito feliz acima de tudo! Bjs

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  17. O texto está fantástico!

    Acho que o 10º vulto de vez em quando esquece-se de aparecer por estes lados. Mas já o ter percebido deve ser meio caminho andado para o conseguir "invocar" mais vezes!

    Obrigada pela tua visita e pelo comentário!

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  18. 10 dentro de um carro?

    Tiveram sorte em não terem sido multados! :|

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  19. fantástico texto:) e parabens!!

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  20. parabéns! e parabens pelas boas companhias!

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  21. Lindo!!...
    Fiquei sem palavras.

    Beijinhos

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  22. Sem palavras! Um texto absolutamente delicioso.

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  23. acho que falo por todos quando digo:
    - queremos mais posts!!! (é que falta gente que escreva bem aqui pela blogosfera)

    bom fim-de-semana!

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  24. Para este texto, uma palavra:
    - Fabuloso!

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  25. obrigada Ana! espero que esteja tudo bem contigo, e não te esqueças que os teus leiotores aguardam novos posts ;)

    beijinhos*

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  26. Isto é que é um sr texto!
    Beijinhos e parabéns,
    Sofia

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