segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

O Valentim nunca vem tarde

Os crescidos são uma seca. São demasiado sérios e pesados. São cépticos, descrentes, desiludidos. Carregam bagagens tão grandes que lhes curvam as costas, tornam o andar arrastado e a expressão de eterno cansaço. Os crescidos estão cheios de reservas, sempre de pé atrás, e já não esperam pela Primavera. Preferem viver num Inverno sem fim, sempre a contar com o pior, e orgulham-se ao dizer que a experiência de vida os fez assim. 

Os crescidos não se dão, porque já lhes roubaram a alma. Não se arriscam, porque já se perderam muitas vezes. Vivem protegidos numa bolha imaginária, porque acham que lá fora é perigoso. Os crescidos são uma seca, porque já não se querem sentar no chão para brincar com medo de sujar a roupa. Não querem saltar do muro, porque acham que vão torcer um pé. 

Eu também cresci. Também tenho bagagem, alguma bem pesada. Também torci pés, esfolei joelhos e parti pernas. Mas recuso-me a ser um desses crescidos que fica a ver a vida passar ao lado e que bate o pé para não jogar mais. Recuso-me a ter esse andar arrastado e expressão de eterno cansaço.

O dia volta sempre a nascer. A Primavera chega sempre outra vez. E eu, eterna criança, vou querer sempre voltar a saltar o muro e a brincar no chão. Porque só assim vale a pena crescer, numa eterna brincadeira que, um dia, deixará de nos colocar em perigo, e apenas nos fará doer a barriga de tanto rir.

terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Lugar Seguro

Por vezes, acomodamo-nos naquele lugar seguro. Conhecemos cada canto da casa e sabemos que janelas abrir ou manter fechadas. Conseguimos caminhar às escuras sem tropeçar num tapete ou bater nalguma parede. Estamos confortáveis, nada nos perturba. Ali sabemos quem somos e o que nos espera. Sabemos que temos uma porta que nos separa do que queremos deixar lá fora.

Sair desse lugar seguro deixa-nos frágeis. Faz-nos pensar nos perigos que corremos. Deixamos de ter portas que nos protegem. Deixamos de poder caminhar às escuras porque não conhecemos o chão que pisamos. Nem sequer existe o vidro da janela por onde podemos espreitar sem termos de nos expor ao frio e à chuva. Sabemos que a nossa resistência será posta à prova. E não sabemos se, um dia, esse lugar assustador poderá ser um lugar tão confortável e seguro quanto aquele onde nos fechámos. E então ficamos ali, no hall de entrada, de chaves na mão, a tentar perceber se é melhor continuarmos no conforto do nosso canto ou se devemos reaprender a caminhar à chuva.

(Repost 2010)

domingo, 28 de novembro de 2021

Pessoas

Pessoas. 

Tudo nestes últimos dez anos teve a ver com pessoas. Tudo o que mudou na minha vida está ligado a cada uma delas. Ao que me fizeram sentir, ao que me acrescentaram, ao que me trouxeram de bom e de mau. Cada acontecimento, cada etapa, trouxe-me ou levou-me pessoas que fizeram a diferença.

A morte do meu pai, a "minha" pessoa, fez-me sentir como se nada mais me pudesse atingir tanto. Tudo o resto passou a ser tão relativo, tão pequeno, que se seguiram uma série de decisões que até ali não tinha coragem para tomar. Corresse bem ou mal, nada podia ser pior do que a falta que aquela pessoa me fazia.

E cada decisão foi-me fazendo perder e ganhar pessoas. 

A mudança de emprego que me afastou definitivamente de pessoas tóxicas e desgastantes. A mesma mudança de emprego que acabou por me trazer pessoas que me enchem a alma todos os dias.

As pessoas que eu julgava próximas e tomaram um chá de sumiço. As pessoas que eu julgava distantes e se fizeram presentes sem qualquer esforço.

A família que fui perdendo, inevitavelmente. E a família que aumentou com os sobrinhos.

Os amigos de longa data que vieram mostrar que, passem os anos que passarem, os laços permanecem. Outros que ainda os vieram reforçar.

As pessoas que me fizeram soltar gargalhadas quando eu só precisava de sorrir. As que me fizeram chorar quando eu precisava era de muitas gargalhadas.

As que me mostraram que por mais que eu me esforçasse, nada seria suficiente. As que me ensinaram que não preciso de me esforçar para que tudo baste.

Foram muitas as pessoas que deixaram alguma coisa nestes meus últimos dez anos. 

Algumas, apenas de passagem, vieram mostrar exactamente aquilo que eu não quero. Outras, até mesmo sem saberem, acabaram por me mostrar o que é realmente importante para mim.

Pessoas que me desafiaram a sair da minha zona de conforto, e pessoas que me fizeram sentir que estar confortável, por vezes, é o melhor.

Pessoas que me surpreenderam. Pessoas que me desiludiram. 

Pessoas que são música. Pessoas que foram ruído.

Consegui chegar ao final destes dez anos com a casa limpa. Não foi propositado, não estabeleci nenhuma data, mas acho que neste último ano muita coisa se limpou por si própria. 

E tenho a casa cheia de pessoas das boas. Cada uma destas pessoas sabe o cantinho que ocupa e porque continua por cá.

E cada uma delas fez tudo valer a pena.



( dez anos depois de Doce Despedida)

quinta-feira, 30 de setembro de 2021

(Reposting 2007) Viagem

Existem lugares que marcam a nossa vida. São lugares cheios, não cheios de gente, mas cheios de nós.

São lugares que contam a nossa história, sussurram-nos lembranças, gritam os nossos segredos.
Guardam em cada parede um olhar, em cada canto uma lágrima, em cada objecto um sorriso. São lugares que nos queimam por dentro e nos roubam a alma por instantes.
Fazem-nos viajar a recantos de nós que julgávamos não mais existirem. Ressuscitam emoções que um dia quisemos deixar morrer.

Voltei a um desses lugares onde tantas vezes me perdi de mim mesma, e onde tantas outras me encontrei. Onde o tempo parava para me ouvir gritar sentimentos em silêncio, embalados por uma música cuja letra contava uma história igual à minha.
Voltei e revi-me, revi-me em cada canto, em cada objecto, em cada palavra. Senti na pele o calor das noites sem fim e na boca o doce amargo sabor de cada momento ali vivido.

Saí de mim mesma e deixei-me ir, como quem vai em busca de uma qualquer resposta, supostamente deixada ao acaso num dos cantos daquele lugar. Deixei-me novamente embalar pelas velhas músicas que ainda contam a mesma história. Uma história que ainda é a minha.
Esqueci quem sou e procurei quem fui. Viajei por mim mesma e reencontrei caminhos já esquecidos. Caminhos que ficaram ali guardados, sem nunca levarem a lugar nenhum.

Chegada a hora de ir embora, voltei a mim. Despedi-me de quem fui e abracei quem sou.
Deixei que cada refrão me contasse uma história diferente daquela que foi a minha, talvez a que ainda quero viver.

Devolvi cada emoção a cada parede, a cada canto, a cada objecto, e lançando-lhes um último olhar à saída, pedi-lhes baixinho que continuassem a guardar as minhas lembranças, para nelas seguir viagem sempre que me apetecer ali voltar.

(Outubro 2007)

quarta-feira, 19 de maio de 2021

Aquele "olá" básico

Será que ainda anda alguém por aqui?

Estão vivos? Bem de saúde? Têm-se safado deste corona-coiso?

Contem-me coisas!

Ou deixem-me a falar sozinha.

quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

E eu que queria escrever tanta coisa...

Estava ali distraída com a minha vidinha, quando reparei que tinha apenas quinze minutos para publicar o meu post anual que, desta vez, calha em Janeiro. 

Pus-me rapidamente a pensar no que iria escrever, e já me preparava para um post enorme e cheio de divagações, quando a dúvida surgiu: seguindo a ordem das coisas, e andando sempre um mês para trás, o meu próximo post será em Dezembro, mas se eu publicar em Dezembro deste ano, passam a ser dois posts em 2018, e isso estraga a cena toda. 

Por outro lado, se eu esperar por Dezembro de 2019, a distância entre o post de hoje e o próximo será de quase dois anos, o que também deixa a cena meio estranha, certo?

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

Contas feitas

Tendo em conta que o meu antepenúltimo post foi em Maio de 2014, o penúltimo em Abril de 2015, e o último em Março de 2016, não podia chegar ao fim de Fevereiro sem escrever o de 2017.

terça-feira, 15 de março de 2016

Voltar às palavras

As palavras nunca me faltaram. Muito pelo contrário, sempre as tive de sobra. Não fossem os filtros que, convenientemente, aprendemos a usar nos momentos certos, e elas sairiam à velocidade da luz. Já me preocupei muito menos com isso, é verdade. Costumava achar que quem cala consente, que quem não fala perde oportunidades, e que quem se mantém em silêncio é porque não sabe muito bem o que tem para dizer. Ideias que tomamos como certas quando achamos que sabemos muito de tudo isto.
Nos últimos tempos tenho vivido quase no outro extremo, naquele em que acho que o silêncio é de ouro, em que a distância entre o pensar e o falar deverá ser cada vez mais longa, e onde a prudência é rainha incontestável. Não é fácil, é um facto. Isto de pensar trinta vezes antes de se dizer o que nos vai na alma é um exercício duro, requer muito treino, e muita disposição para arcar com as consequências. Porque não é só a palavra dita que não pode ser retirada. O silêncio, em determinados momentos, também pode ser irremediavelmente fatal.

Voltar aqui é quebrar uma pequena parte desse silêncio. É voltar a abrir uma janela com vista para um pouco do tanto que tenho vindo a reservar. Talvez seja uma forma de encontrar um meio termo confortável. Talvez até, quem sabe, eu volte a achar que pior do que lamentar a palavra dita é mesmo morrer engasgada com a calada.