segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

O Valentim nunca vem tarde

Os crescidos são uma seca. São demasiado sérios e pesados. São cépticos, descrentes, desiludidos. Carregam bagagens tão grandes que lhes curvam as costas, tornam o andar arrastado e a expressão de eterno cansaço. Os crescidos estão cheios de reservas, sempre de pé atrás, e já não esperam pela Primavera. Preferem viver num Inverno sem fim, sempre a contar com o pior, e orgulham-se ao dizer que a experiência de vida os fez assim. 

Os crescidos não se dão, porque já lhes roubaram a alma. Não se arriscam, porque já se perderam muitas vezes. Vivem protegidos numa bolha imaginária, porque acham que lá fora é perigoso. Os crescidos são uma seca, porque já não se querem sentar no chão para brincar com medo de sujar a roupa. Não querem saltar do muro, porque acham que vão torcer um pé. 

Eu também cresci. Também tenho bagagem, alguma bem pesada. Também torci pés, esfolei joelhos e parti pernas. Mas recuso-me a ser um desses crescidos que fica a ver a vida passar ao lado e que bate o pé para não jogar mais. Recuso-me a ter esse andar arrastado e expressão de eterno cansaço.

O dia volta sempre a nascer. A Primavera chega sempre outra vez. E eu, eterna criança, vou querer sempre voltar a saltar o muro e a brincar no chão. Porque só assim vale a pena crescer, numa eterna brincadeira que, um dia, deixará de nos colocar em perigo, e apenas nos fará doer a barriga de tanto rir.